quinta-feira, 8 de março de 2012

Isolamento em local de crime - debate teórico


É uma indagação universal no meio policial: o que é um isolamento correto de local de crime?

Eu diria que a indagação fundamental é: o que seria “correto” num local de crime? Temos duas respostas.

1) Em uma situação de regulamentação legal bem definida o “correto” é o que prevê o “POP” (Procedimento Operacional Padrão). Costumo usar a expressão “protocolo de comportamento em local de crime”. Seria como comportar-se, conduzir-se em local de crime. Quem? Qualquer indivíduo a quem se possa atribuir responsabilidades para minimizar os efeitos do evento de desordem (crime). Esse indivíduo pode ser desde o perito, profissional específico e qualificado, passando pelo policial preparado pelo Estado, até o cidadão mais simples com discernimento suficiente para saber evitar um mal maior depois de presenciar um ato criminoso. As responsabilidades também vão desde o completo levantamento do local (perito criminal), passando pela manutenção geral do estado das coisas (policial civil e militar), até, no mínimo, informar todos os detalhes do evento (cidadãos que testemunharam o fato). Esta previsão de comportamento (POP) deve ser posta pelo Estado que é quem detem a exclusividade de tratamento (persecução criminal) destes casos.

2) A segunda resposta contempla uma situação em que não há previsão institucional do comportamento dos principais agentes em local de crime (perito, policial e cidadão). “Correto”, neste caso, pode ser o que é correntemente praticado pelo costume, pois não agride os hábitos arraigados nas instituições (pericial e policial) e no meio social (cidadãos), ainda que não estejam em conformidade com o que já foi pesquisado e comprovado cientificamente como sendo o mais vantajoso para sanar os prejuízos da desordem (crime). Este é o pior cenário.

Um desdobramento mais positivo da segunda resposta é quando os profissionais da área (peritos e policiais) procuram definir, ainda que informalmente, que o “correto” é o uso de certas regras de bom senso e proximidade com o que a literatura especializada recomenda como benéfico. Por exemplo, para os policiais, sugerir uso da fita zebrada e evitar manipulação de objetos pessoais da vítima antes da chegada dos peritos.

Excluindo os extremos: obediência “cega” a regras restritas (POP’s inadequados) ou ausência de normas somada a hábitos “viciados”, temos uma situação bastante conhecida pelos agentes envolvidos (peritos, policiais e cidadãos). Nenhum local de crime é tão “normatizado” a ponto de absorver integralmente os POP’s, nem tão caótico que não comporte algum bom senso criativo. A “virtude” estará no meio.

Não existe o que chamamos de “isolamento CORRETO de local de crime”, mas, certamente, um “isolamento ADEQUADO de local de crime”. E ele se dará com a orientação institucional dos POP’s – para fornecer idoneidade legal ao levantamento pericial – e o uso do bom senso, cautela e zelo necessários às peculiaridades que o caso solicitar – para alcançar os objetivos previstos na manutenção geral da ordem das coisas.

A imaginação humana é rica e a maneira de se praticar um ato desordeiro evolui tanto quanto as estratégias e os mecanismos de sua execução (ciência e tecnologia). É preciso que os agentes envolvidos (peritos, policiais e cidadãos) acompanhem esta evolução sob pena de se tornarem obsoletos e inúteis.

quarta-feira, 7 de março de 2012

Primeiro plantão de março - caso 3 de 3

Ao retornar para a base do IC por volta da uma da manhã, ainda fui selecionar e editar fotografias. Adiantei este trabalho até aproximadamente 3h da manhã. Consegui dormir até o chamamento do terceiro caso do plantão.


Caso 3 - morte violenta - arma de fogo - na Barra Nova - 07h23

A esta hora da manhã o sol ainda está fraco e bem inclinado. Não pude evitar alguma sombra mais forte, mas pelo menos não estava fazendo muito calor. Não suei muito, mas suei!

Duas observações fotográficas neste terceiro caso: posicionamento do fotógrafo com o sol baixo no horizonte e possibilidade de ampliações de detalhes na cena de crime.

01 - Posicionamento do fotógrafo - observem a sequência abaixo.

 Na primeira imagem o fotógrafo (eu!) está mal posicionado ao registrar seu assunto. Fotografou-se! 

Interferência da sombra do fotógrafo.

Na segunda imagem o fotógrafo fez o devido posicionamento, mas o assunto ficou mais afastado. Ainda dá para ver a sombra do fotógrafo, mas o assunto está livre de interferências.

Reposicionamento do fotógrafo com o seu afastamento.

Na terceira imagem percebemos o uso do zoom, ou seja, é preciso, após promover o afastamento ou reposicionamento do fotógrafo, refazer o enquadramento! Muitas interferências podem ser evitadas desta maneira (luz solar direta, reflexos, "poluição" visual, etc.).

Aproximação do assunto, agora livre de interferências, com o uso do zoom.

02 - Quase toda cena de crime possui detalhes que precisam ser registrados. Como se diz, são nos detalhes que podemos encontrar as respostas para a ação delituosa. O fotógrafo precisa estar consciente desta possibilidade.

Na sequência abaixo eu faço uma aproximação gradual de uma determinada gota de sangue localizada sobre o pavimento do logradouro (solo arenoso).

Foto "panorâmica" da gota de sangue. Indicada pela seta branca.

Vista aproximada da foto anterior.

Continuidade da aproximação promovida pelo deslocamento do fotógrafo.

Aproximação máxima do equipamento em local de crime.

Ampliação digital efetuada no editor de imagem.
Aparentemente este tipo de observação e registro de manchas de sangue podem não resultar nenhum interesse, mas é justamente o contrário. Nas duas últimas imagens percebem-se a formação de gotas satélites oriundas da gota de sangue inicial. Isso é fundamental para, por exemplo, estabelecer a altura da fonte de sangue. Toda uma dinâmica em cena de crime pode ser desvendada pela leitura desses pormenores.

Para finalizar o plantão, voltamos pela orla de Maceió, justamente no horário de término do plantão.

Vista da orla de Maceió - motivo pelo qual os turistas adoram visitar nossas praias!!!

Primeiro plantão de março - caso 2 de 3

O segundo levantamento foi cronometrado às 23h58 - hora em que eu marco um ponto no GPS, no momento em que chego na cena de crime. Curiosamente quando saí da viatura, meu relógio de pulso tocou o alarme de meia-noite. Então, dois minutos entre chegar de carro e descer do carro!

Caso 02 - morte violenta - arma de fogo - no Vale do Reginaldo - 23h58

Foi um caso marcado por mais uma visita ao mesmo local onde diversos peritos já enfrentaram a mesmíssima situação: cadáver alvejado por arma de fogo e lançado nas águas do córrego que corre na cidade.

Lembrou-me o mesmo córrego que passa no Centro de Belo Horizonte! Sim, também temos o nosso "Arruda". Aqui é conhecido como Riacho Salgadinho. Vejam a semelhança abaixo:

Córrego Arruda, assinalado com a cor vermelha, passando próximo da Rodoviária de Belo Horizonte.

Riacho Salgadinho, assinalado com a cor vermelha, passando próximo da Rodoviária de Maceió.
Talvez tanto lá, quanto aqui, são áreas desprovidas de interesse estatal. Mantem-se como atrativos para indivíduos carentes e outros de má índole que terminam por praticar atos violentos e marginais à lei. A consequência é trabalho para as autoridades públicas.

Abaixo uma ampliação do local dos exames. Próximo ao viatudo que une dois bairros.

Detalhe do local dos exames.
 O Corpo de Bombeiros Militar já estava no local, o que facilitou o resgate do corpo. Os exames perinecroscópicos se desenvolveram na margem do córrego.

Vista geral da ponte que une as margens. Seta indica posição do cadáver.
Fotograficamente a principal dificuldade foi a falta de luz. O local não tem uma iluminação artificial abundante. O flash é necessário. Mesmo assim faço o clareamento no editor de imagem. Consigo bons resultados.

Depois de iniciar os levantamentos às 17h e passar ao segundo à meia-noite, o próximo levantamento só se deu pela manhã, conforme relatarei no próximo post.

terça-feira, 6 de março de 2012

Primeiro plantão de março - caso 1 de 3

Março, mês do meu aniversário, começou com três casos no primeiro plantão do dia 3:

Caso 1 - colisão de veículos na rodovia BR 104 - 16h50
Caso 2 - morte violenta - arma de fogo - no Vale do Reginaldo - 23h58
Caso 3 - morte violenta - arma de fogo - na Barra Nova - 07h23

Inadvertidamente consegui me fotografar durante o primeiro levantamento!

Meu reflexo na janela do veículo!
Tive sorte quanto à luz para fotografia. Às 17 horas o sol está bem baixo, fraco e ainda existe muita luminosidade suave. Além disso não faz muito calor!

Ainda não mostrei como mesclar fotos num laudo. Neste caso fiz uma sequência de fotos para este fim. E passo a mostrar agora.

Inicialmente é preciso produzir uma sequência de fotos sobrepostas, como as ilustradas abaixo.

Captura de imagens sobrepostas durante o levantamento.
 Reparem que sempre tem um elemento ou parte da fotografia que se reproduz na seguinte. É preciso deixar esta "sobra" para que o computador mescle as imagens numa só, como abaixo:

Mesclagem definitiva produzida pelo computador.
 Existem opções de mesclagem. Os comandos foram tirados do aplicativo Photoshop (file + automate + photomerge).

Percebam que o programa "junta" e "deforma" as imagens até que elas tenham uma coerência segundo os parâmetros escolhidos na janela de diálogo do programa (auto, perpective, cylindrical, reposition only, interactive layout).

Uma vez mescladas, por conta das deformações, eu seleciono a forma mais "agradável" para publicar no laudo. Preferencialmente de modo a resgatar a maior área possível. Veja abaixo:

Seleção da forma final da mesclagem.
 A imagem selecionada toma as feições de uma fotografia "grande angular". Na verdade é uma grande angular virtual, eletrônica. Vide abaixo:
Imagem final que irá para o laudo pericial.
Minha finalidade com esta estratégia é dar mais visibilidade do local por meio de uma imagem panorâmica.

Muitos indagarão: por que você não usa uma lente grande angular? Respondo: minha lente é uma zoom 18-55 e mesmo no ângulo máximo não consigo chegar nem perto de uma "olho de peixe" (lente na faixa de 6 mm que obtém até 360 graus de visibilidade). Por isso faço uma imitação "eletrônica".

Ainda não explorei todo o potencial desta técnica, mas ela facilita por usar pouco equipamento (qualquer câmera funciona) e ser rápida. Fotografo tudo que desejo e depois mesclo segundo os propósitos da explanação pretendida no laudo.

O processo ainda apresente algumas variáveis que devem ser controladas. Observem as áreas selecionadas abaixo:
Áreas selecionadas para comentários.
1) Desalinhamento durante a mesclagem - às vezes as fotos originais não estão perfeitamente alinhadas. Então o computador não faz "milagres". Termina deixando algumas falhas.


Desalinhamento de imagens percebida na "quebra" da fita zebrada.

Mesma falha neste ponto da imagem - "quebra" da fita zebrada.
2) Deformação das imagens periféricas - Neste caso é inevitável por conta da opção de mesclagem desejada. Mesmo numa lente real a deformação existiria. Então não é algo inteiramente indesejado, mas inerente ao processo de se "juntar" imagens com uma determinada pretensão.

Setor da imagem original.

Mesmo setor da imagem após o processo de mesclagem.
O controle se faz escolhendo criteriosamente as imagens que se deseja mesclar e de que forma a mesclagem será feita (cilíndrica ou pesrpectiva, p. ex.).

O caso dois será comentado no próximo post.

quinta-feira, 1 de março de 2012

Plantão - 14 de fevereiro - danos em veículo

Mal começou o plantão do dia 14 e já havia notícia desta perícia logo pela manhã no pátio de estacionamento do Instituto de Criminalística. Um exame de dano em veículo automotor.

Principal dano constatado no veículo.
Tratava-se de lançamento de objeto contra o veículo. Atingiu uma janela, a face posterior do banco do passageiro e finalmente pousou no assoalho atrás do banco do motorista.

Como devemos ser esclarecedores - ou bem "didáticos" - na explanação dentro do laudo, um bom croqui sempre ajuda! Vide abaixo:

Croqui da dinâmica do lançamento do objeto contra o veículo - por diversos ângulos.
O objeto foi um prumo de pedreiro. Uma desavença entre os envolvidos e o objeto foi lançado contra o veículo. Ou seja, vítima e agressor estavam em contato pessoal durante o sinistro. Isso é importante para determinar alguns exames que comentarei abaixo.

Objeto usado para agredir, coletado, embalado e etiquetado.

Como em toda constatação de danos ou arrombamento foi obrigatório o uso do kit de levantamento papiloscópico. Para saber se o agente deixou suas digitais no local/objeto!

Mas veja o que comentei acima: vítima e agressor estavam em contato e, portanto, não há dúvida de quem praticou a ação. Pelo menos o evento foi bem testemunhado! Então eu indago: deve o exame ser exauriente? Sim, desde que o artigo 158 do CPP menciona a imprescindibilidade da confissão, torna-se obrigação do perito vincular todas as partes envolvidas no exame solicitado. Ou pelo menos tentar dentro das condições técnicas disponíveis.

Kit de levantamento papiloscópico disponível no plantão.
 Infelizmente o kit de levantamento papiloscópico disponível para as equipes plantonistas no Instituto de Criminalística estava meio "desorganizado" (foto acima). Então decidi separar apenas alguns itens totalmente imprescindíveis: pincel aplicador de pó, pó preto genérico e fita adesiva comum (foto abaixo).

Itens que eu separei da maleta do kit de levantamento papiloscópio.
Vale lembrar que este kit não foi o fornecido nas maletas da Senasp. O IC/AL já possuía kits de levantamento papiloscópico para as equipes plantonistas e até um kit para equipe.

Para minha surpresa, o ponto onde havia uma impressão digital favorável ao levantamento era constituída de deposição de material pulverulento e não de deposição de fluidos e sebo corporal (foto abaixo).

Impressão digital produzida por limpadura em pó lançado sobre o vidro traseiro.
(Limites da impressão dados pela setas brancas).

Detalhe da foto anterior.
Utilizei-me, como faço predominantemente, de levantamento fotográfico exclusivo. É possível aplicar a fita adesiva diretamente no material pulverulento com as feições das papilas que ele capturou. Desta forma, ao invés de se utilizar o pó preto recomendado para o caso, usamos o próprio material deposto e formatado pelas papilas.

Reforço o comentário de que as partes envolvidas no sinistro eram conhecidas e o evento foi bem testemunhado. Por isso cabe debate a respeito de "exames exaurientes". Mas deixarei este ponto para outra publicação.