segunda-feira, 26 de maio de 2014

Plantão do dia 5 de maio - queda da mangueira

Os registros do meu plantão do dia 5 iniciou-se mesmo de madrugada! Ainda na "vigência" da equipe anterior!

Apenas com poucos danos materiais, nossa mangueira caiu! Provavelmente por causa de infiltração de água devido às últimas e volumosas precipitações pluviométricas que se deu neste período em Maceió.

De madrugada os plantonistas tiraram as primeiras fotos. Ao amanhecer e seguinte, nossa colega Ana Márcia obteve as demais fotos (clique nas imagens para ampliar).



Detalhe do "pé" da mangueira. O solo cedeu.


Vários veículos particulares e todas as viaturas ficaram presas durante os primeiros trabalhos de remoção da árvore.

Felizmente não houve maiores danos (algumas esquadrias de janelas e vidraçaria), mas que a mangueira deixou saudades, deixou. Sua carga de frutas era bem apreciada.

Às 15h30 atendi uma ocorrência de homicídio no município de Boca da Mata.

Cena de crime aguardando levantamento pericial
(seta preta localiza cadáver sob cobertura de tecido).

Uma das obrigações do levantamento é identificar os envolvidos (vítima e autor da ação). Durante o curso de auxiliares de perícia, que fizemos no IC/AL em 2010, enfatizou-se justamente a identificação visual: a típica fotografia "3x4" do cadáver.

Obviamente toda a superfície corporal pode reter vestígios importantes, principalmente sujidades e manchas de sangue, mas que também podem dificultar a identificação visual por meio do retrato frontal. Então, busca-se fazer duas fotos do rosto. Uma conforme encontra-se, muitas vezes sujo, e outra com remoção de quaisquer obstáculos à perfeita visualização. Exemplo do caso abaixo:

Registro do rosto com vestígios e com a devida limpeza.

Dentre outros ferimentos de arma de fogo deste caso, dois foram bastante característicos quanto às suas entradas e saídas. Um no pescoço e outro nas costas. Ambos transfixantes.

O primeiro efetuado à curtíssima distância deixou uma enfática zona de tatuagem. Além do esfumaçamento, também houve ação dos gases quentes (queima).

Vista em ângulo aberto para visualizar os dois ferimentos
produzidos pela passagem do mesmo projétil de arma de fogo.

Abaixo, vistas ampliadas da entrada e da saída do mesmo projétil. Clique nas imagens para ampliar.


Um segundo disparo foi efetuado contra as costas com saída do projétil pelo peito. Veja ampliações da entrada e saída abaixo. Clique nas imagens para ampliar.


Uma segunda recomendação - e particular orientação de cursos de preparação para peritos - é a postura de escalas diante dos vestígios. A importância do registro não se discute. A importância do registro bem feito precisa sempre ser lembrada.

Aquela "régua", acartonada e adesiva, viabiliza o dimensionamento e comparação dos diversos vestígios fotografados. É o caso desta publicação. Nas duas imagens acima é possível verificar que o ferimento de entrada de projétil de arma de fogo costuma ser geralmente menor que o de saída.

Outro vestígio deste caso foi o projétil recuperado do solo.


Foi possível identificar o orifício regular produzido no solo pela penetração do projétil (imagem acima).

Próximo a este orifício é enterrada uma vareta ou formão metálico de modo a retirar todo o torrão de terra onde se projeta a localização final do projétil. Tenta-se extrair o projétil por "desmontagem" do torrão de terra. A pretensão é danificar o mínimo possível a superfície do projétil.

No entanto, em casos deste tipo - penetração no solo - dificilmente se obtém um projétil íntegro. Vejam imagem ampliada abaixo:

Superfície do projétil depois que penetrou no solo.

Qualquer microcomparação fica bem prejudicada.

Finalizei os exames periciais verificando que a vítima tombou com menos de 18 anos de vida.

Comunidade local acompanhando o final dos exames periciais.

A mangueira do pátio de estacionamento do Instituto de Criminalística possuía bem mais tempo que isso. Eu mesmo possuo mais idade que algumas dessas vítimas. Mas se uma árvore cai por causa da chuva e um velho não é atraente para ninguém, vejo as pessoas da comunidade e sinto-me autorizado a perguntar: quem será o próximo?


domingo, 25 de maio de 2014

Acompanhando outra equipe, fora do plantão!

O plantão da minha equipe no dia 23 foi um pouco "puxado". Foram 11 (onze) locais e tínhamos apenas três plantonistas, além da equipe de motoristas e fotógrafos.

Aparentemente foi tão extenuante que nem os meus colegas de plantão, Glauco e Edmundo, chegaram a inserir - no mesmo dia - os seus dados no Sistema de Gestão Operacional Unificado - Sisgou:

Levantamentos registrados no plantão do dia 23. Consulta dois dias depois do plantão.

Diversamente se comportaram os plantonistas do dia seguinte, dia 24:

Levantamentos registrados no plantão do dia 24. Consulta feita no dia seguinte.

Eles contavam com quatro plantonistas, mas fizeram mais levantamentos (inclusive dois deles ocorreram no meu plantão, mas não tínhamos condições de atender).

Tive curiosidade de saber como se comportaram. Então consultei os relatórios dos peritos:

Foram 14 levantamentos, sendo dois acidentes de trânsito, duas constatações de danos, oito homicídios, um cadáver encontrado e uma morte acidental (eletroplessão).

Percorreram 1.112 km para ir e voltar das 7 viagens no interior. Considerei os dois levantamentos em São Sebastião como uma só viagem. A distância média por viagem ficou em 80 km (apenas ida).

Sete viagens para o interior, numa distância média de 80 km.

Não computei as distâncias dentro de Maceió, que podem chegar a até 15 km entre o Centro e a algumas periferias.

Abaixo é possível ter uma noção dos horários de atendimento durante as 24 horas do plantão dos quatro plantonistas:

Distribuição dos atendimentos ao longo das 24 horas do plantão.

Considerei horas inteiras, desde a hora da chamada, até a hora de término do exame no local. Não inclui o deslocamento de volta para a base do Instituto de Criminalística, em Maceió.

Na próxima publicação ilustrarei o plantão da minha equipe, que foi executado no dia anterior.

sábado, 17 de maio de 2014

Plantão acompanhando outra equipe!

Acompanhar colegas de trabalho em locais de crime soa bastante estranho atualmente. A exiguidade de peritos não permite. Mesmo assim insisti em ir com o colega Robério em um local bastante próximo da base. Assim, se houvesse outra chamada, eu estaria dentro do perímetro de atuação da base com alguma folga!

Vista geral do local de crime (com indicação do cadáver no primeiro plano).

Embora todo o procedimento seja padronizado, algumas peculiaridades são transmitidas ao levantamento pelas características dos membros da equipe. Como gosto de fotografia, me detive especialmente na fotógrafa Luciana:

Fotógrafa se posicionando para fazer tomadas de relação de vestígios.

Das 126 fotografias que obtive, não necessariamente objetivando fazer o levantamento, a fotógrafa aparece em 67 delas!

Não é fato de se espantar, afinal de contas as mesmas tomadas que ela teria de fazer, eu também, se pretendesse, no mínimo, ajudar no levantamento fotográfico.

Abaixo duas imagens fora dos objetivos periciais.


À medida que o fotômetro central da câmera obtinha medidas, inclusive influenciada pela posição da lanterna da fotógrafa, obtive duas imagens distintas e com mensagens diferentes!

Observem que na segunda imagem, quando ela iluminou o braço, o fotômetro julgou maior claridade geral na imagem. Como não correspondia com a verdade, todo o restante ficou escuro.

A equipe trabalhou em harmonia. Vejam abaixo o "trio", Robério (perito), Luciana (fotógrafa) e Messias (motorista). O pessoal do Instituto Médico Legal ajudou na manipulação do cadáver.

Robério, Luciana e Messias, todos da equipe pericial.


Todos os dados necessários para esclarecimento do fato devem ser cuidadosamente coletados e anotados. Nisso se começa a perceber uma pequena diferença entre eu e o Robério. Ele anota mais e é bem compenetrado nos detalhes:

Robério anotando dados importantes.

Por outro lado, eu costumo abusar das fotografias. Insiro o máximo de informação nelas. Seja por meio de escalas, numeradores ou mesmo edição eletrônica posterior. Também fazem parte da linguagem visual, a sequência e os ângulos das tomadas fotográficas.

No levantamento da Luciana, apareci apenas em duas fotos das quarenta e seis que ela produziu. Em uma fiquei irreconhecível (muito longe). Na segunda fiquei bem melhor! Vejam abaixo:

Uma das raras vezes em que sou fotografado pelos colegas.

Os dois levantamentos resultaram 172 fotografias, mas as condições precárias de iluminação introduziram muitos "ruídos" em todas as imagens (consequência da sensibilidade alta do sensor).

Ainda existiram outros problemas, como o isolamento do local. Tardio para uma zona urbana densamente povoada. A preservação também foi sofrível, pois muitos policiais circularam dentro da cena do crime.

Por fim, foi um caso interessante para discussão. Quem sabe consigamos por na mesa os dados. Discutir sobre eles e propor melhorias.

quinta-feira, 1 de maio de 2014

Último plantão de abril - chuva, viagem e pocilga

Mal cheguei no instituto e já havia ocorrência dos plantonistas anteriores que não foi atendida. Sigo pela rodovia AL-101 Sul e constato que nem o IML também chegou no local. A Polícia Militar já renovou sua guarnição. A Polícia Civil chega em seguida. Adiantamos os trabalhos periciais pois a chuva se intensificava.

Seguindo pela rodovia AL-101 Sul ou "Ib Gatto Falcão".

Finalizamos com poucos elementos materiais que pudessem elucidar o crime. Vítima não identificada. Moradora de rua. Fazia bicos nos bares próximos. À noite, alguém se desentendeu, bateu, deitou e matou. Usou instrumento contundente, grande e pesado. Cabeça esmagada. Cérebro exposto. Voltamos ao IC.

Segunda chamada fica para meu colega. A terceira chamada volta pra mim. Coisas de quem está atrasado no rodízio de distribuição de trabalho. Destino: Inhapi. Distância: 263 km (no papel!).

Sigo pela mesma estrada com ainda mais chuva.

Voltando ao mesmo caminho, mas com distância maior e mais chuva.

Notícia de roubo de explosivos. Pouca informação. Precisei insistir para saber detalhes. Coisa ruim todo mundo comunica, mas não verifica. Para quem vai viajar mais de 500 km, é preciso ter alguma segurança.

Uma vez confirmado, sigo e completo 272 km em 4 horas até a delegacia de Inhapi.

Pintura estragada na fachada da delegacia de Inhapi.

Acompanhados do policial que conhece a região, seguimos para o local dos exames distante 14,4 km da delegacia. Estrada de barro, enlameada, mas bem conservada.

Pela qualidade do material roubado, também qualificavam-se os investigadores. Não eu, mas exército e divisão especial da Polícia Civil estavam presentes. Conversa daqui, conversa dali e verifico que tudo que foi quebrado e rompido para roubar, já está consertado. Suspeitava, por isso insisti nos telefonemas prévios. De nada adiantou. A cena estava inidônea. E restaram poucos vestígios.

Mas, conversa daqui e dali, entendo que os especialistas poderão suprir bastante bem as informações necessárias para a boa investigação. Explano minha visita, necessária por lei e imposta pela solicitação, despeço-me e devolvo o policial na delegacia (não havia viaturas na delegacia).

Retorno no escuro, com fome, para jantar em Santana do Ipanema. Sanduíche, claro!

E não é que o dono do estabelecimento me vem com essa: "mataram um, agorinha mesmo!". Só fiz perguntar: onde? E completei: já que vai saciar sua curiosidade indo ao local, então me oriente como chegar no mesmo lugar!

Já passava das 20 horas quando chegamos num final de logradouro onde estava sendo rebocado um veículo alvejado por arma de fogo.

Repitam comigo: em todo local de crime existem vestígios úteis! Chame o perito!

Abordei o policial militar de preto, oficial, ex-aluno e espantado com um perito no sertão. Indaguei: o que acontece aqui? Ao que ele respondeu: surpreenderam a vítima dentro do carro, mas aparentemente não morreu ali dentro. Ainda fugiu. Embrenhou-se no brejo e lá ficou. Os bombeiros já passaram aqui. Puxaram o cadáver para a margem, mas só tem acesso pelo outro lado da quadra.

Ali estava, ali comecei os exames.

Disparo de arma de fogo em veículo é o mesmo que recolhimento involuntário de projéteis, pois as modernas carrocerias deformáveis e forros macios prendem facilmente os projéteis. Saquei a chave de fenda e despreguei o forro da porta. Encontrei dois bons projéteis, encamisados, viáveis para exame de microcomparação. Será que o delegado não sabia disso para solicitar, com veemência, uma perícia - de busca e coleta de projéteis - no veículo?

Eu já havia tomado chuva durante a primeira ocorrência. Tomei mais chuva na zona rural de Inhapi. E desta vez a chuva foi um pouco mais intensa. O chapéu já escorria água por dentro.

Obtido os projéteis, parti para o cadáver. Sua localização: dentro de uma pocilga...

Chuva, lama, fezes e animais, tudo no escuro!

Com muito cuidado evitei escorregões na lama, mas não havia como se proteger da chuva. Simplesmente esqueci que havia levado minha capa de chuva. Abusei do chapéu e esperei que o colete encharcasse antes que as minhas demais peças de roupa.

Não consegui mais que tomar uma identificação visual da vítima. A manipulação era inviável no local onde estava. Pus a pulseira de identificação e espero que o IML possa concluir satisfatoriamente o exame dos ferimentos.

Identificando numericamente o cadáver.

Quando finalizamos os exames, os policiais civis chegaram. Entreguei a via de identificação do cadáver em mãos.

Dali abastecemos nossa viatura para o retorno à Maceió. Foram 377,6 km consumindo 40,39 litros de diesel S-10. Autonomia na primeira parte da viagem de 9,35 km/litro.

Abastecendo em Santana do Ipanema às 21h53.

Chegamos em Maceió às 00h50 do dia primeiro de maio. Percorremos 575,7 quilômetros e pude verificar que o odômetro da viatura está majorado em 2,38%, mas dentro de um padrão de normalidade.

Descarreguei 159 fotografias (válidas para a produção dos laudos). Baixei os dados do GPS. Preenchi os formulários on-line do sistema de informações da secretaria de segurança e embalei os vestígios coletados. Ainda falta editar as imagens, inserir nos modelos de laudos e adequar todo o texto.

Finalizo esta publicação no final do meu plantão, mesmo sem ter dormido. Descanso só em casa!

Até o próximo plantão!