domingo, 27 de setembro de 2020

Últimos plantões de setembro

Na primeira ocorrência viajamos 167 km até Penedo. Durante o trajeto, registrei o pôr-do-sol com duas câmeras diferentes:


As capturas foram feitas com a viatura em movimento (106 km/h) através do para-brisa. As câmeras possuem 12 Mpixels e ambas imagens receberam edição. A diferença de tempo entre elas é de quatro minutos. Foram tiradas 8 fotos na Nikon e 10 no celular.

O primeiro local foi informado como de cadáver localizado dentro de uma canoa na margem do rio São Francisco. Já chegamos no período noturno.

Para todo o levantamento foi necessário usar o flash embutido da Nikon, mas fiz outro teste com o celular:

Neste caso, o celular funcionou no modo automático (1/4 s de exposição, em ISO 1250), apoiado nas mãos. Já a Nikon ficou sobre uma mesa (tripé) e foi ajustada uma exposição de 6 (seis) segundos em ISO 3200 no modo M (manual).

Obviamente os resultados são bem diferentes. Vejam detalhes do motor da canoa abaixo:

As imagens acima não receberam edição.

Depois de uma edição no Photoshop, é possível aproveitar as imagens do celular:

No entanto a qualidade das cores e dos detalhes é sofrível:

Fiz outra experiência com a Nikon acionando o flash embutido:

No plano panorâmico é facilmente percebida a diferença de iluminação entre o primeiro e último plano da imagem.

No modo P (Program) o acionamento do flash impõe uma exposição de 1/60 segundos. Neste caso é possível dispensar o tripé.

Não cheguei a combinar a exposição longa com flash acionado para somar as vantagens das duas situações.

O segundo local foi em Maceió. Como nosso retorno foi demorado, todo o tumulto inicial já havia se dissipado. Principalmente depois do resgate dos Bombeiros Militares. A vítima foi eletrocutada no alto de um poste de iluminação pública e ficou presa nos fios.

A presença maciça de celulares com câmera nas mãos de cada cidadão faz com que imagens, até instantâneas, sejam facilmente obtidas:

Apesar da baixa qualidade de iluminação e detalhes, é possível extrair algumas informações do evento. Quando exploramos a “resolução de saída”, este tipo de imagem atende perfeitamente postagens de internet e até impressão em pequeno tamanho.

Por mais volume de imagens que se obtenha do contexto da situação é no acesso privilegiado que o perito tem que se obtém os detalhes que definem a ocorrência:

Marca de Jellinek

Imediatamente na sequência, o terceiro local foi um homicídio duplo, noutro bairro de Maceió.

A ação violenta foi cometida com emprego de arma de fogo e arma branca (faca peixeira):

Para definir bem alguns ferimentos precisamos da fotografia de detalhes. O problema é que as objetivas mais acessíveis não possuem a função macro. Por mais que nos aproximemos do assunto, uma boa parte da imagem fica sem assunto relevante por causa da limitação da distância de foco.

Quase 90% da imagem não são aproveitados, mas usando uma resolução alta, podemos fazer recortes (diminuindo o tamanho da imagem) e obter o detalhe com qualidade satisfatória:

No caso de uma câmera com 12 Mpixel de resolução total, a imagem recortada fica com 1,1 Mpixel. Isso oferece uma imagem impressa de aproximadamente 10 x 9 cm. Suficiente para uma ilustração de laudo.

No dia seguinte atendemos local de acidente de trânsito. Colisão entre veículo e motocicleta.

Tivemos algumas vantagens. Eram 5h da manhã e o céu estava encoberto.

Desta forma tivemos ausência de sombras “fortes”, boa luminosidade, e, sendo cedo, o trânsito estava tranquilo e sem aglomeração de pessoas!

A luminosidade é suficiente para fotografias panorâmicas, mas para detalhes é interessante usar a técnica do “flash de preenchimento”:

Algumas áreas escuras são reveladas pelo flash acionado, ainda que o automatismo da câmera o dispensasse:

Cabe alertar que o acionamento manual do flash não é possível no modo automático da câmera. É preciso selecionar um modo que isso seja permitido.

Por fim, vamos para algumas observações:

1) o registro fotográfico de um local de crime estático dispensa habilidades de fotografia de assuntos em movimento. As primeiras imagens aqui postadas buscaram apenas demonstrar as capacidades dos equipamentos, mas servem como excelente exercício de domínio de outras técnicas fotográficas;

2) a versatilidade de ajustes de uma DSLR ainda é superior às capacidades atuais dos melhores celulares com câmera embutida. Não significando dizer que não possam ter seu espaço na perícia. Cabe discutir meticulosamente a forma de sua utilização para o resultado que se espera de um levantamento fotográfico pericial;

3) imagens editadas não devem ser desprezadas. O objetivo deve ser o de melhorar a informação visual que se pretende transmitir. Como contraprova, todas as imagens originais precisam estar arquivadas e disponíveis;

4) imagens de terceiros não podem ser desprezadas. A presença de câmeras em todos os lugares e nas mãos de todo cidadão, registra eventos numa rapidez que ultrapassa a velocidade do Estado de atender estes mesmos eventos. A função de “olho da Justiça” foi relativamente repassada, mas obviamente as imagens precisam de um “filtro técnico” para se avaliar sua idoneidade e serventia. Os detalhes e a qualidade ainda continuam nas mãos do Estado. Só o perito tem acesso privilegiado ao local com os equipamentos adequados;

5) a ausência de equipamentos específicos não impede um bom registro fotográfico. Certo número de técnicas pode dispensar certas aquisições;

6) para qualquer tipo de levantamento fotográfico é importante conhecimento técnico básico e intimidade mínima com o equipamento disponível. O primeiro passo é consultar o manual da câmera e o segundo conhecer as técnicas que garantam os resultados pretendidos. Aproveitar sempre para treinar.

sábado, 19 de setembro de 2020

Minicurso de fotografia forense - Piauí

 Minicurso de fotografia forense para a Acadepol do Piauí.

 

No dia 18 de setembro apresentamos o seguinte tema: “fotografia forense, rotina e principais dificuldades” na modalidade online.


 

Foi apresentado um roteiro para orientação dos ouvintes:

 

- Observações introdutórias (pequena apresentação, contextualização do tema e ênfase na exposição exclusivamente teórica);

- Fotografia básica (apresentação do equipamento e dos conceitos essenciais envolvidos na fotografia comum);

- Rotina e dificuldades:

1. Resolução (relação detalhes versus armazenamento);

2. Foco diurno e noturno (como o sistema automático funciona);

3. Iluminação diurna e noturna (uso da luz auxiliar embutida – flash);

4. Vibração (firmeza de empunhadura e uso de tripé);

5. Modo de fotografia mais adequado (as opções da câmera);

6. Macro (na ausência de lente específica, fazer recortes na imagem);

7. Fotografia de luminescência (luminol).

 

E um conjunto de perguntas para cada um fazer uma auto-avaliação a respeito do tema:

 

1.     Porque fotografar?

2.     O que é fotografar?

3.     Qual a fotografia correta?

4.     O que é composição?

5.     Quais dispositivos promovem a exposição?

6.     O que é profundidade de campo e como usar em perícia?

7.     O que é distância focal e como usar em perícia?

8.     Quais as principais tomadas fotográficas em perícia?

9.     Qual foto é obrigatória por lei?

 

A abordagem se pretendeu bem introdutória. Por isso a pergunta: porque fotografar?

 


A imagem é uma forma de linguagem e pela rapidez com que transmite seu conteúdo e a facilidade com que é assimilada se diz que “uma imagem vale mais que mil palavras”.

 

 

Sendo uma forma de linguagem, é preciso aprender a “ler e escrever” nesta “língua visual”.

 

 

E, certamente, como fotógrafo, é preciso saber manusear o equipamento que produz imagens: a câmera fotográfica:

 


A atual disseminação de aparelhos celulares dotados de câmeras fotográficas sugere ao grande público que fotografar é algo tão fácil quanto tocar uma tela contendo a imagem que se quer registrar. E de fato é assim que a esmagadora maioria das pessoas tem feito suas fotografias.

 

No entanto, as câmeras DSLR (Digital Single Lens Reflex), além de serem concebidas para fotografar de forma especializada, também ficaram condicionadas às tecnologias disponíveis em suas diversas épocas de aperfeiçoamento.

 

 

O termo “reflex”, por exemplo, se refere ao fato de a imagem que será capturada ser refletida para um visor óptico na parte posterior da câmera. Nesta época, as câmeras não possuíam monitor, nem resolução de monitor suficiente para atender as exigências dos fotógrafos.

 

Os modernos aparelhos celulares, rapidamente ofereceram telas de altíssima qualidade. Essa tecnologia impactou fortemente nas câmeras DSLR. Uma vertente delas simplesmente abandonou a reflexão da imagem e agora projetam diretamente em um monitor traseiro (câmera “mirrorless”).

 

Depois de conhecer o equipamento, vamos aos fundamentos teóricos:

 

 

São três os principais pontos relacionados à captura de imagens por meio de um equipamento fotográfico: 1 – exposição (tempo, quantidade e sensibilidade à luz), 2 – foco e profundidade de campo, e 3 – distância focal.

 

No primeiro ponto, temos uma combinação de três dispositivos físicos dentro da câmera digital: o obturador (tempo de luz), diafragma (quantidade de luz) e sensor digital (sensibilidade à luz), cujos efeitos podem ser resumidamente conferidos na imagem abaixo:

 

 

Ajustar um destes dispositivos implica em ajustar um dos outros dois para manter o mesmo nível de luz no registro final. Não apenas se estabelece o nível de luminosidade na foto, mas como ela será registrada. Nítida? Borrada? Com ou sem qualidade (de ruído).


Os dois pontos seguintes estão relacionados à construção da lente e ao seu posicionamento em relação ao sensor.

 

 

O foco é a parte da imagem que fica nítida, com arestas agudas, onde detalhes podem ser percebidos. “Fora de foco” é justamente quando a imagem fica embaçada, borrada, com aspecto de esfumaçada.

 

Essa nitidez é obtida com um ajuste de posicionamento do conjunto de lentes que estão na frente do sensor. Existe um "anel de foco" e ele pode ser automatizado.

 

A profundidade de campo é quantidade de áreas em que a nitidez é percebida. É possível escolher uma, duas ou até toda a área da imagem com nitidez.

 

Não apenas o posicionamento e tipo de lentes produz esse efeito. Ajustes no diafragma e no próprio posicionamento do fotógrafo, próximo ou distante do assunto, podem mudar as áreas que ficarão nítidas na imagem capturada.

 

A distância focal tem a ver com o distanciamento da lente para o sensor:

 

 

A principal implicação é o ângulo de visão da lente. Uma grande angular (menor que 50 mm) consegue fotografar amplas áreas e são essenciais para fotos panorâmicas. Teleobjetivas (maior que 50 mm) se prestam a registrar detalhes ou objetos distantes em que não é possível se aproximar. As lentes “normais” (50 mm) oferecem baixo índice de distorção.

 

Com base nestes poucos fundamentos de fotografia é possível afirmar que fotografar é um compromisso entre escolhas (assunto, ajustes, posição, etc.) e quanto mais se fotografa, mais fácil se torna fazer estas escolhas.

 

Quando falamos em fotografia pericial, estamos dando à técnica tradicional de fotografia um objetivo específico: registro visual de elementos materiais que irão subsidiar uma investigação forense.

 

 

Então, uma vez sabendo manusear o equipamento e conhecendo os fundamentos da fotografia básica, devemos consultar as exigências legais a respeito do que deve ser registrado para fins forenses. Os primeiros documentos de consulta são o Código de Processo Penal e o Protocolo Operacional Padrão do Ministério da Justiça, ambos disponíveis na internet.

 

 

Sabendo operar a câmera e sabendo o que precisa ser feito em local de levantamento pericial, basta ir à campo e efetuar o trabalho.

 

 

Infelizmente (ou felizmente) a vida real é mais rica do que as frias letras da lei e dos manuais técnicos. Inevitavelmente dificuldades surgirão. Seja pela sua inexperiência, seja porque certos problemas técnicos ainda não foram solucionados.

 

No começo deste texto selecionei e apresentei sete dificuldades comuns na fotografia pericial. Diante das limitações de tempo e da modalidade de exposição (online) não foi possível esmiuçar as soluções propostas no grau de detalhamento que eu desejaria.

 

Até o final das apresentações deste minicurso de fotografia forense (dias 24 de setembro e 3 de novembro), vou me comprometer em fazer publicações complementares.


Por último, e certamente não menos importante, é preciso lembrar que a proficiência em fotografia deve vir com a pratica. Cursos presenciais otimizam a interiorização dos fundamentos teóricos, mas nada que o esforço individual não consiga ao longo de um tempo.


Estamos à disposição!

domingo, 12 de abril de 2020

Plantão do dia 07 de abril

Às vezes a frequência com que se encontram corpos em condições de difícil acesso e resgate deles nos exige solicitar os valiosos serviços do Corpo de Bombeiros Militar. Neste plantão não foi diferente. Aliás, foi bem necessário.

Para se ter acesso ao alto da barreira de 14 metros de altura foi preciso percorrer um terreno de vegetação rasteira por cerca de 270 metros. Tudo isso bem próximo da zona urbana do município de São Miguel dos Campos.

Trajeto (em vermelho) por meio da mata para se chegar ao local.

Os trabalhos começaram ainda com luz do dia, mas não foi possível evitar a escuridão total.

Vista do logradouro mais próximo que dava acesso ao local e vista do alto da barreira.

Desceu-se uma bandeja para acondicionamento do cadáver e facilitar o içamento.

Vista geral do local dos trabalho. A cidade de São Miguel dos Campos ao fundo.

A foto da vista geral do local dos exames foi um pequeno desafio. O flash exclusivo não iluminaria o fundo da barreira a mais de 14 metros de distância. O segredo foi deixar o obturador aberto capturando a luz da lanterna dos bombeiros e ligar o flash na medida certa para iluminar o primeiro plano (alto da barreira). A luzes da cidade também foram registradas pelo obturador lento (1/10 s, f/5,6, ISO 3200, compensação +3, câmera na mão, sem tripé).

Erguendo a bandeja até o alto da barreira.

Finalização dos trabalhos de resgate.

Já com o cadáver no alto da barreira, levamos até o logradouro mais próximo (iluminação pública dos postes, mas a lanterna dos bombeiros continuou sendo muito útil).

Ferimentos perfuro-contundentes identificados.

Não foi difícil detectar alguns sinais de ação violenta, mas em função do estado do corpo (putrefação e manuseio para seu resgate do solo), os exames necroscópicos efetuados pelo IML em condições muito melhores que as nossas devem trazer esclarecimentos mais robustos do que aconteceu com a vítima.


quarta-feira, 8 de abril de 2020

Nova instrução normativa do IC

Depois da última postagem, onde apresentei alguns itens de uma equipe de levantamento pericial externo, tivemos uma atualização das rotinas no IC.

Na nova instrução normativa nº 03 temos uma apresentação da estrutura da Gerência de Perícias Externas:


A equipe é prevista com quatro profissionais. Devido à escassez de pessoal, por vezes dispensamos o fotógrafo. Neste caso o perito criminal faz o levantamento fotográfico.

Temos algumas orientações de atendimento na área de todo o Estado, região metropolitana e capital. Lembrando que estas divisões atendem a necessidade do serviço do IC, não sendo igual à divisão adotada pelo Governo.


São 06 (seis) equipes de MV, combinadas com um perito de Patrimônio e outro de Trânsito. Sendo assim, ficam cerca de 06 (seis) peritos por dia, na melhor das condições (temos férias, afastamentos e escassez mesmo. Com isso algumas equipes não se completam).

Para melhor orientar as trocas de plantões existem diretrizes já inseridas no texto:


É preciso harmonizar todas as equipes. Não apenas entre os plantões, mas também entre as especialidades e entre os auxiliares.

Plantão do dia 3 de abril de 2020

Corpo encontrado em leito de rio.

Foi uma solicitação do plantão anterior, mas em virtude da dificuldade de acesso ao local dos exames e resgate do cadáver do leito do rio, transferiu-se o levantamento para a equipe do dia seguinte.

Conforme rotina prática (já postada neste link), a equipe é formada para atender o local:


Geralmente a equipe é composta por: um perito criminal (1), um manipulador (2) e um motorista terceirizado (3). Neste caso o fotógrafo foi dispensado. Eu mesmo fiz as fotografias.

Com relação aos recursos materiais, levamos: a maleta da Senasp (4), uma maleta de ferramentas particular do perito (5), a viatura (6) e a câmera fotográfica (7) que vem junto com o aparelho GPS dedicado. Nesta caso eu também levei uma câmera e um GPS próprio.

Fizemos um percurso de 41,6 km até a zona rural do município vizinho:

Margens do Rio Mundaú, na zona rural de Rio Largo.

Uma parte na rodovia e outra por estradas de barro. Com direito a travessia de ponte de madeira e uma caminhada de meio quilômetro.

Ponte e caminhada até o local nas margens do rio.

A equipe do IML fez a diferença. Resgatou o cadáver do meio do rio. Estava preso entre as pedras.

Recuperação do cadáver do meio do rio.
 Já na margem seca, foi possível pesquisar a superfície do cadáver e constatar alterações que sugerem uso de arma de fogo. A confirmação virá do exame necroscópico a ser feito no IML.

Alterações suspeitas que serão verificadas no IML.

Retornar os 500 metros até às viaturas exigiu esforço conjunto da equipe dos IC e do IML:

Transporte do saco contendo o cadáver pelo trecho feito à pé.

O Corpo de Bombeiros Militar foi solicitado, mas em virtude da demora e pelo fato de o IML ter conseguido contornar a distância da margem, não foram necessários no levantamento.

Ainda nos livramos de uma cobra que havia no caminho. Passamos e não vimos, mas uma colega conseguiu uma foto:

Perigos da zona rural.

De volta ao IC, cumprimos a mesma rotina que mostra como devemos devolver todos os recursos usados no levantamento.

Inclusive a paramentação sofre com o clima quente e úmido. Geralmente apenas o bolso fica livre do suor...

Muito suor no clima quente.