É comum ao leigo perguntar sobre o equilíbrio emocional do perito criminal. Ainda mais quando se enfrenta, como diria um professor meu, o "produto final da maldade humana".
No entanto, é bom frisar, nem sempre o que examinamos é resultado de um ato maldoso ("acidentes acontecem") e esse encargo não é apenas do perito criminal (pensem num médico, delegado ou, também e mais comumente, um gari!). Existem objetos e situações incrivelmente inusitados em lugares nunca esperados por todos! Sejamos leigos ou profissionais.
Fiz uma pesquisa simples de imagens no Google usando a palavra "nojo":
Foi aí que percebi que existem outras coisas que nos deixam enauseados além de cadáveres putrefeitos.
Vocês ainda não perceberam, não é?
Então vejam as imagens abaixo:
Enquanto para uns algo é desagradável, para outros pode ser perfeitamente natural e inclusive saudável!
Evidentemente que a repulsa significa alguma coisa. Normalmente algo que não é bom para a nossa saúde (física ou mental), mas percebam que parte delas nós mesmos imaginamos!
Vejam os exemplos abaixo:
O primeiro caso é plausível, mas aconteceu? E o segundo é fora da realidade (foto montagem).
Em perícia, muitos elementos podem gerar mal estar. Odores e texturas desagradáveis fazem parte deste universo. Talvez animados pela ideia de que a conduta delituosa, aquela ação marginal à sociedade sã e boa, induz a compreensão de algo doente, separado, descartado, ruim. O que é ruim jogamos fora, cuspimos, regurgitamos, deixamos sem cuidados para que desapareça pelo apodrecimento. Associar tudo isso a lixo e matéria putrefeita não é difícil. Somos levados, até inconscientemente, a ter nojo destas coisas.
Por outro lado, temos a ideia de "ciclo da vida". E ela se faz com a renovação dos recursos. A transformação do descartado em matéria estrutural. O estrume alimenta a planta que nos alimenta. O que vai, volta!
O perito criminal, e outros profissionais assemelhados, se deparam, frequentemente, com situações desagradáveis à maioria das pessoas (que são predominantemente instruídas nos produtos culturais denominados "agradáveis" para, entre outros objetivos, se conduzam saudavelmente na vida), mas que isso não é obstáculo às suas funções após criterioso treinamento.
Praticamente todos nós somos "treinados" para viver com saúde (física e mental). As pessoas "leigas" costumam tratar o cotidiano conforme aprenderam em casa, na escola, no trabalho e na religião. Os policiais civis e militares, os médicos, garis, peritos criminais e outros profissionais, cada qual com sua particularidade, são treinados a enfrentar situações "adversas" com um controle maior de sua repulsa, seja ela natural ou cultural.
O controle oriundo do treinamento é preciso para cumprir a função estabelecida na profissão. O que não significa que ficamos sem sensibilidade.
Mesmo em dez anos de trabalhos periciais não deixo de me sensibilizar com certos casos.
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Marcas de arrastamento no asfalto (atropelamento em novembro de 2004). |
Existem acidentes que não apenas vemos o resultado final do confronto veículo X pedestre, p. ex., mas conseguimos, pelos vestígios, refazer toda a dinâmica e não é fácil imaginar o que não se passou na cabeça da vítima. Nem todos os atropelamentos resultam em morte instantânea.
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Piso de residência popular onde uma mãe foi assassinada (em junho de 2004). |
A maioria das vítimas está na faixa da população carente. Às vezes chegamos grandes e poderosos. Estamos vestidos, calçados e totalmente saciados em nossas necessidades básicas e até voluptuárias. Mas existem lugares que visitamos onde não há espaço suficiente para uma família, e que, aos olhos do Estado, chegam a ser transparentes (foto acima). Muitas vezes vamos apenar "limpar" o local, mas não "saciá-lo" de suas necessidades básicas. Isso é repugnante.
O início da carreira foi impactante. Eu era advogado e só mexia com papéis e teses jurídicas, mas, gradualmente, com a ajuda dos colegas veteranos e com os protocolos de operação, aprendi a separar o momento de tomar nota "friamente" e o momento de derramar lágrimas. Temos de fazer as duas coisas para ter equilíbrio.
Espero ter auxiliado o Hugo com sua pergunta sobre o tema.