sexta-feira, 18 de outubro de 2019

A evolução da fotografia na perícia.

Em Alagoas houve um tempo em que as fotografias eram feitas numa câmera SLR eletrônica. Na película. Eu comecei assim.

A primeira câmera que usei no IC.

Nossa principal limitação era o número de exposições e as revelações eram feitas por terceiro “autorizado”. As imagens eram armazenadas em negativos dentro de envelopes que por sua vez iam para armários.

Armazenagem dos negativos em envelopes.

Voluntariamente os peritos começaram a usar câmeras digitais compactas de 3,2 Mpixels. Então o instituto também comprou suas compactas de maior resolução. As imagens passaram a ser descarregadas em pastas virtuais num computador. As câmeras evoluíram e hoje temos disponíveis câmeras DSLR de 18 Mpixels.

As câmeras atuais (Canon SL1).

Costumo dizer que, hoje, um único levantamento fotográfico de local tem o mesmo tamanho de todos os meus levantamentos do ano de 2004, quando comecei com uma compacta.
Com o incremento das câmeras institucionais, tivemos a evolução dos telefones celulares. Amplamente disseminados, com câmeras potentes e conectadas. Não temos mais só uma fonte de imagem, mas por vezes, temos cada membro da equipe como um potencial criador de imagens!


Diante deste excepcional volume de dados, qual fonte deve ser considerada primária e ou legitimada para a investigação? Como armazenar, recuperar e compartilhar os dados com segurança?

quarta-feira, 16 de outubro de 2019

Achado curioso em local de crime

No último plantão do dia 13 de outubro, me deparei com uma marca interessante na face externa da bermuda da vítima:

Localização da marca no tecido e consequente lesão na pele. Não houve transfixação.

Um projétil "bateu" na bermuda e não penetrou!

Imaginei que pela pressão e possível arrastamento, poderia haver deposição de pele na face interna do tecido, no caso, da cueca:

Sutil a marca na face interna, mas estava lá (só aparece nos detalhes abaixo).

Marca na face externa e, à direita, realce da marca.

Escoriação na pele e, à direita, realce da dinâmica.

Mancha na face interna da cueca, com realce à direita.
Para compatibilizar com a dinâmica do impacto, a imagem foi invertida.

A vítima recebeu outros disparos, principalmente na cabeça.

Para um projétil não penetrar numa área como essa, se não teve qualquer problema com sua carga propelente, é porque já perdeu sua energia em algum lugar ou na trajetória. Como o atirador estava próximo, imaginamos que foi um ricochete.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Fotografia de luminol (treinamento)

Na postagem anterior, comentei um passo a passo sobre “fotografia de Luminol”, mas sob a forma de uma simulação. Utilizei um objeto fosforescente para substituir a reação do Luminol.


Resultado final da fotografia de luminescência
em objeto fosforescente.

Para tanto, naquela ocasião, sugerimos 4 passos, que resumidamente podemos dizer o seguinte:

1) fixe a câmera e enquadre a cena;
2) selecione o modo “Program” da câmera;
3) faça o foco no modo automático e depois desligue-o (mude para “manual);
4) escureça o ambiente e acione o disparador: tire uma foto. O modo “Program” irá estabelecer um tempo que servirá de parâmetro para as fotos seguintes.

A esta altura uma foto do ambiente escuro já terá sido obtida. Qualquer luminescência poderá ser registrada a partir de então.

Experimentos precisam ser feitos para otimizar a imagem, como, por exemplo, mostrar o suporte da reação e não apenas a reação em si.

Depois destas orientações, tivemos a oportunidade de fazer uma prática entre os colegas. Tanto simulando com objeto fosforescente, quanto utilizando o reagente em suportes reais.



 Iniciamos com ajuste da câmera com um objeto fosforescente e depois utilizamos os parâmetros automaticamente ajustados pelo modo "Program" de disparo para fazer a fotografia da amostra padrão de sangue (fotos abaixo):


Nosso kit de luminol já vem com uma amostra padrão de sangue para podermos confirmar a eficácia do reagente:

Identificação na tampa do kit juntamente com as instruções básicas de preparo.

Conteúdo do Kit. Possibilidade de se fazer até quatro preparos.

Depois de testar nas amostras, experimentamos em alguns outros objetos:

Registrando fosforescência de mostrador de relógio de pulso.

Verificando reação em metais (barra metálica e lata de spray).

Por fim, testamos sobre um objeto de trabalho:


Desta forma, todos os colegas que participaram do treinamento puderam verificar os procedimentos mínimos para ajustar uma câmera DSLR para registro de luminescência de um exame com luminol, bem como praticaram um pouco da aplicação do reagente em amostras e objetos que poderiam reagir com a substância.


quinta-feira, 30 de maio de 2019

Fotografia de luminol (simulação)

"Como fotografar Luminol" - o desafio de registrar luminescência.

Pergunta recorrente entre os colegas que precisam fazer levantamento de vestígios utilizando o reagente Luminol e ou semelhantes.

Recentemente respondi a uma colega (Yara) num grupo de discussão (Whatsapp) repassando um folheto explicativo do Instituto de Criminalística do Distrito Federal ("Como fotografar Luminol - reações quimiluminescentes"). Clique nas imagens para ampliar:

 

 

Utilizando uma câmera DSLR podemos usar o modo Manual, conforme mencionado no folheto acima. Mas tentando ser um pouco mais prático, sugeri uma sequência de procedimentos que copio na íntegra abaixo para ser fiel ao que escrevi naquela ocasião:

1) fixe a câmera no tripé enquadrando toda a área que você deseja pesquisar com luminol. Use a luz natural para visualizar e enquadrar;

2) selecione o modo “P” (Program) no seletor de modo de disparo (obturador e diafragma ficam automáticos) e deixe o flash desligado;

3) ainda com o ambiente iluminado, pressione o primeiro estágio do disparador para ajustar o foco utilizando-o no modo automático (ocorrerá um “bip” para confirmar). Feito isso, comute o foco para modo manual na lateral da objetiva (o disparador vai atuar no segundo estágio sem necessidade de fazer foco novamente);

4) em geral a foto irá registrar o ambiente e a fosforescência do objeto. Leia os parâmetros da foto e imite no modo “Manual” ou, tente novamente já com aplicação do luminol, pois esse modo automático (que você tem pouco controle) pode fazer o registro com resultado satisfatório.

Então, vamos à demonstração prática com acompanhamento de imagens:

Material utilizado na simulação: 1) tripé, 2) câmera,
3) régua, 4) celular, 5) tecido com estampa fosforescente

1) fixei a câmera (Nikon D90) e enquadrei a cena de teste:

Fixação da câmera no tripé diante da cena de teste.

Observação: montei a estrutura no piso do quarto de um apartamento durante o dia. Fechei bem a janela e a porta. Com a luminosidade residual era possível perceber o que havia no ambiente. Abaixo uma foto feita com um celular Samsung S9 no modo automático:


O celular perdeu quase completamente as cores. E com a edição (clareamento) isso ficou evidente. O exemplo acima ainda mostra que é possível "salvar" fotografias muito escuras.

Cumpri o passo 3 ajustando o foco da câmera. Pressiono o disparador no primeiro estágio para atuar o automatismo do foco. Feito isso, desligo-o na objetiva. O disparador fica livre e a objetiva focada.

O passo 4 é o momento da "mágica". Vamos bater uma foto e deixar a câmera encontrar a melhor exposição para registrar a luminescência da estampa do tecido (um lençol infantil com essa característica foi utilizado). No caso fiz duas fotografias para testar sensibilidades ISO diferentes.

Duas fotos tiradas apenas com mudança de sensibilidade do sensor (ISO 800 para ISO 1600).

Ao mudar de ISO 800 (B) para ISO 1600 (D) o tempo de exposição passou de 13 segundos (A) para 5 segundo automaticamente, isso por causa do modo P ("Program"). Fazendo a leitura destes parâmetros podemos transportar para o modo M ("Manual"), mas vejam que já funciona para registrar o ambiente na penumbra. A simulação do efeito do Luminol está adiante.

Para simular o borrifo do Luminol sobre a peça utilizaremos a excitação feita por uma luz externa sobre o material fosforescente usando a tela de um celular:

Ajustamos um brilho aproximado de 25% e utilizamos o aplicativo "calculadora" (tela branca).

Em seguida excitamos a peça de tecido com material fosforescente:


Abaixo o registro final do efeito com os ajustes obtidos na fase anterior:

Resultado final dos procedimentos.

A fotografia final ganhou um segundo a mais e fechou um pouco o diafragma, mas isso é resultado de se optar pelo modo P. Para obter maior controle na exposição das fotos o modo M deve ser selecionado. Sempre se orientando pela primeira exposição e pelas consultas que podem ser feitas das fotografias que forem sendo tiradas.

Espero que estas sugestões possam ser úteis aos colegas.

Veja mais: diferença entre fosforescente e fluorescente.

segunda-feira, 7 de janeiro de 2019

Primeiro plantão do ano! Nova colega na equipe.

2019 começou! E começamos com um plantão e com uma colega nova no setor de perícias externas.

Incumbido de acompanhá-la, lembrei a ela os levantamentos básicos que fazemos em locais de crime: descritivo, fotográfico e topográfico.

Às 16h23 fomos informados de uma ocorrência no município de Arapiraca (124 km de Maceió).

Imediatamente é expedida uma Guia de Solicitação de Exames com os principais dados para o atendimento:

Guia de solicitação de exames.

Em seguida é entregue à perita, o Boletim de Ocorrência (BO) do Sistema de Gerenciamento Operacional Unificado (Sisgou) com os principais dados da ocorrência:

Anverso e verso do BO expedido pelo "Sisgou".

Reunida a equipe, verificado o equipamento e consultado o itinerário até o local, iniciamos a viagem no entardecer, sabendo que só chegaríamos à noite.



Foram percorridos 129 km até o local, antes passando pelo IML de Arapiraca.

Um dos primeiros passos do levantamento é georreferenciá-lo. Isso não apenas o localiza, mas também registra o primeiro momento do levantamento, ou seja, a hora do início dos trabalhos:

Georreferenciamento do local dos exames.
Também registra a hora do início dos trabalhos.

Começamos o levantamento às 19h32. O ambiente era "fechado" (cômodos dentro de imóvel comercial - oficina de motocicletas), mas o acesso era muito fácil e a polícia militar informou que houve circulação excessiva de curiosos pelo local.

Croqui do local feito à mão livre indicando a posição dos nove vestígios mais relevantes.

Neste caso, a "idoneidade" do local estava parcialmente comprometida. Mesmo assim sempre há o que se examinar.

Todos os vestígios relevantes são indexados, escalados e fotografados, no lugar em que se encontram e anotados no croqui:

Levantamento dos vestígios no local. Alguns podem ser coletados.

Após registrar os vestígios mais relevantes no local, passamos a fazer o exame do cadáver:


Na perinecroscopia fazemos o registros dos vestígios mais relevantes no cadáver (os ferimentos fazem parte deste grupo de vestígios). E como o nome diz, na área externa, porque a parte interna é de incumbência do legista.

Dentre os ferimentos constatados, tínhamos vários de entrada, três alojamentos visíveis, dois de proximidade (disparos "à queima-roupa") e um tangencial ("raspão"):

Ferimento decorrente de disparo à curta distância.
Os pontos escuros (setas) são grãos de pólvora que se depositam ao redor.

Ferimento tangencial ("raspão") onde as setas mostram o
movimento do projétil na superfície da pele.

As roupas também são examinadas. Verificam-se, por exemplo, a compatibilidade de danos (orifícios) com alguns ferimentos, deposição de material e impregnação de manchas de sangue:

Anverso e verso da camisa da vítima.

Finalmente, fixa-se a Pulseira de Identificação de Cadáver (PIC) e preenche-se o Boletim de Identificação de Cadáver. Esse procedimento vincula o cadáver que está em local de crime com o cadáver que irá dar entrada no IML:


Então o levantamento pericial se apresenta como uma abordagem do local de crime partindo do geral para o específico. Inicia-se na periferia do isolamento efetuado pelas polícias civil e militar e finaliza na proximidade do seu ponto central: a vítima (na maioria dos casos de morte violenta). Tenta-se contar uma versão dos fatos que esteja fundamentada nos vestígios materiais (artigo 158 do Código de Processo Penal).

Foram cerca de três horas para chegar no local e duas horas para fazer o levantamento.

Depois disso ainda fomos atender um segundo local no mesmo município. Voltamos para o Instituto em Maceió às 2h da manhã.