sábado, 30 de março de 2013

Peritos estão em falta no Brasil

"Analisar casos de mais, com gente de menos". Destaquei do vídeo no site G1. Para assistir (três minutos), clique no link abaixo:

Peritos estão em falta no Brasil

Alguns dos peritos entrevistados (clique nas imagens para ampliar):



Em Alagoas já percebemos que faltam peritos. O concurso já foi prometido, anunciado, mas o edital não sai. O último se passou no ano de 2001, portanto, estamos há 12 anos sem renovação dos quadros.

Uma boa visualização das condições de cada estado poderá ser feita mediante consulta de pesquisa específica produzida pelo Ministério da Justiça (121 páginas em PDF) e disponibilizada gratuitamente no link abaixo:

Diagnóstico da Perícia Criminal

Texto extraído do site do MJ:

"A pesquisa Diagnóstico da Perícia Forense no Brasil analisa dados referentes às unidades de perícia de todos os entes federados. O objetivo foi identificar as formas de organização, estruturas e funcionamento de serviços periciais forenses estaduais do país, no sentido de subsidiar decisões de gestão e alocação de recursos para diminuir essa diferença na prestação de seus serviços."

Participo de um fórum nacional de peritos criminais, discutindo temas e trocando ideias, e depois de ler o relatório acima, reconheço que Alagoas não é o pior dos lugares. Faltam alguns recursos, mas tem lugares com mais carências!

Vale a pena "folhear" o documento e tirar suas próprias conclusões!

Fachada do que foi um hotel no Centro de Maceió e que hoje acomoda a Perícia Oficial.

quinta-feira, 28 de março de 2013

Presença do perito em sessões e audiências judiciais


Em seriados estadunidenses vemos frequentemente peritos sendo inquiridos em tribunais. Não é incomum isso acontecer. Lembrando que os ritos judiciais no Brasil são um pouco diferentes.

Conforme discriminei, existem sessões e audiências no âmbito do Judiciário.


Configuração de uma audiência judicial.


Configuração de uma sessão judicial (júri)

A audiência é mais simples. O juiz (magistrado) preside e administra os trabalhos para se chegar a uma decisão. Na sessão tem-se a presença de mais de um julgador. Nos tribunais do júri, além do magistrado (bacharel em Direito) temos os jurados leigos (cidadãos idôneos que também julgam a causa). O juiz sozinho emite uma sentença. Quando existe uma sessão o produto é um acordão, pois todos os juízes acordaram uma decisão. Não é o caso do tribunal do júri, pois apesar de existir mais de um julgador, apenas um é de Direito (o magistrado). O produto de uma sessão do júri ainda é uma sentença.

Na segunda semana de março fui convidado por um colega para acompanhá-lo num júri.

Sessão do júri em andamento.

Curiosamente ele mesmo não sabia que seria uma sessão do tribunal do júri.
Eis uma “adversidade” do cotidiano pericial que o perito precisa estar preparado. A perícia não se faz apenas no ambiente social ou administrativo, mas também judicial. Vez por outra somos chamados a prestar declarações em juízo.

"Art. 159 (do Código de Processo Penal).

§ 5o  Durante o curso do processo judicial, é permitido às partes, quanto à perícia:

I – requerer a oitiva dos peritos para esclarecerem a prova ou para responderem a quesitos, desde que o mandado de intimação e os quesitos ou questões a serem esclarecidas sejam encaminhados com  antecedência  mínima de 10 (dez) dias, podendo apresentar as respostas em laudo complementar;

(...)"

Ou seja, o perito pode ser convocado a comparecer pessoalmente em juízo para responder a quesitos ou esclarecer questões pertinentes à prova pericial. Ele será indagado pelo juiz e pelas partes.

Exige-se a apresentação dos quesitos ou questões com uma antecedência mínima de 10 (dez) dias antes da audiência ou sessão. É preciso que o perito se prepare adequadamente para ser indagado. Ás vezes o caso é antigo ou também complexo.

Uma observação importante: uma faculdade deste artigo é que as respostas e esclarecimentos podem ser feitos mediante laudo complementar. A presença do perito criminal NÃO é essencial. Se o juiz, ou as partes, realmente sentirem necessidade de se entrevistar pessoalmente com o profissional, esta pretensão precisa estar expressa no mandato de intimação. Lembrar que perito criminal NÃO é testemunha e não pode ser convocado sob esta condição.

Perito sentado defronte ao juiz durante a sessão.

Meu colega teve de responder indagações do promotor, inicialmente, e do advogado de defesa, posteriormente. As explicações focaram especialmente distâncias de disparo de arma de fogo, viabilidade técnica de determinadas condutas e condições de idoneidade do local examinado.


Fico especialmente entusiasmado com a utilização judicial do trabalho pericial no tribunal do júri. É a oportunidade de o perito oferecer "vida" ao seu laudo pericial! O profissional pode ser indagado de forma expressiva. Lembrar que em todo processo judicial a defesa é ampla, mas no tribunal do júri ela é plena (art. 5º, XXXVIII da CF/88).

No tribunal observamos as demandas mais sutis que os argumentos jurídicos exigem. Itens que vão além do mero registro da quantidade de ferimentos e danos (visíveis a qualquer testemunha ou técnico de socorro). Existem detalhes como posição, cor e tamanho de um ferimento ou dano que podem fazer grandes diferenças numa interpretação.

Ressalte-se que esta interpretação tanto pode ser jurídica quanto técnica. Daí a importância de o perito ser o mais preciso possível na sua investigação técnica para que a investigação judicial também usufrua desta precisão.

terça-feira, 26 de março de 2013

Para um cara de óculos - o cotidiano com a morte

É comum ao leigo perguntar sobre o equilíbrio emocional do perito criminal. Ainda mais quando se enfrenta, como diria um professor meu, o "produto final da maldade humana".

No entanto, é bom frisar, nem sempre o que examinamos é resultado de um ato maldoso ("acidentes acontecem") e esse encargo não é apenas do perito criminal (pensem num médico, delegado ou, também e mais comumente, um gari!). Existem objetos e situações incrivelmente inusitados em lugares nunca esperados por todos! Sejamos leigos ou profissionais.

Fiz uma pesquisa simples de imagens no Google usando a palavra "nojo":


Foi aí que percebi que existem outras coisas que nos deixam enauseados além de cadáveres putrefeitos.

Vocês ainda não perceberam, não é?

Então vejam as imagens abaixo:


Enquanto para uns algo é desagradável, para outros pode ser perfeitamente natural e inclusive saudável!

Evidentemente que a repulsa significa alguma coisa. Normalmente algo que não é bom para a nossa saúde (física ou mental), mas percebam que parte delas nós mesmos imaginamos!

Vejam os exemplos abaixo:


O primeiro caso é plausível, mas aconteceu? E o segundo é fora da realidade (foto montagem).

Em perícia, muitos elementos podem gerar mal estar. Odores e texturas desagradáveis fazem parte deste universo. Talvez animados pela ideia de que a conduta delituosa, aquela ação marginal à sociedade sã e boa, induz a compreensão de algo doente, separado, descartado, ruim. O que é ruim jogamos fora, cuspimos, regurgitamos, deixamos sem cuidados para que desapareça pelo apodrecimento. Associar tudo isso a lixo e matéria putrefeita não é difícil. Somos levados, até inconscientemente, a ter nojo destas coisas.

Por outro lado, temos a ideia de "ciclo da vida". E ela se faz com a renovação dos recursos. A transformação do descartado em matéria estrutural. O estrume alimenta a planta que nos alimenta. O que vai, volta!

O perito criminal, e outros profissionais assemelhados, se deparam, frequentemente, com situações desagradáveis à maioria das pessoas (que são predominantemente instruídas nos produtos culturais denominados "agradáveis" para, entre outros objetivos, se conduzam saudavelmente na vida), mas que isso não é obstáculo às suas funções após criterioso treinamento.

Praticamente todos nós somos "treinados" para viver com saúde (física e mental). As pessoas "leigas" costumam tratar o cotidiano conforme aprenderam em casa, na escola, no trabalho e na religião. Os policiais civis e militares, os médicos, garis, peritos criminais e outros profissionais, cada qual com sua particularidade, são treinados a enfrentar situações "adversas" com um controle maior de sua repulsa, seja ela natural ou cultural.

O controle oriundo do treinamento é preciso para cumprir a função estabelecida na profissão. O que não significa que ficamos sem sensibilidade.

Mesmo em dez anos de trabalhos periciais não deixo de me sensibilizar com certos casos.

Marcas de arrastamento no asfalto (atropelamento em novembro de 2004).

Existem acidentes que não apenas vemos o resultado final do confronto veículo X pedestre, p. ex., mas conseguimos, pelos vestígios, refazer toda a dinâmica e não é fácil imaginar o que não se passou na cabeça da vítima. Nem todos os atropelamentos resultam em morte instantânea.

Piso de residência popular onde uma mãe foi assassinada (em junho de 2004).

A maioria das vítimas está na faixa da população carente. Às vezes chegamos grandes e poderosos. Estamos vestidos, calçados e totalmente saciados em nossas necessidades básicas e até voluptuárias. Mas existem lugares que visitamos onde não há espaço suficiente para uma família, e que, aos olhos do Estado, chegam a ser transparentes (foto acima). Muitas vezes vamos apenar "limpar" o local, mas não "saciá-lo" de suas necessidades básicas. Isso é repugnante.

O início da carreira foi impactante. Eu era advogado e só mexia com papéis e teses jurídicas, mas, gradualmente, com a ajuda dos colegas veteranos e com os protocolos de operação, aprendi a separar o momento de tomar nota "friamente" e o momento de derramar lágrimas. Temos de fazer as duas coisas para ter equilíbrio.

Espero ter auxiliado o Hugo com sua pergunta sobre o tema.

sexta-feira, 15 de março de 2013

Plantão do dia 12 de março - na capital!

Este foi um plantão "tranquilo", embora não seja apropriado se falar em plantão "tranquilo", pois se existiu levantamento, então ocorreu algo na esfera penal e alguém saiu prejudicado.

Mencionei "tranquilidade" porque os procedimentos se sucederam conforme o esperado dando até margem para que eu fizesse uma pequena pesquisa durante o levantamento de rua. Vejamos!

Homicídio na rua com uso de arma de fogo.

Mesma cena anterior sob o recurso do obturador lento.

A primeira experiência foi a repetição do uso do obturador lento. Este recurso eu utilizei no plantão passado para aumentar a claridade da imagem capturada. A técnica consiste em se manter o flash embutido ligado conjugando-o com uma obturação mais lenta que capta a luz ambiente onde o flash não conseguiu iluminar.

É possível indagar: porque não se utiliza apena o obturador lento, já que ele captura a luz ambiente e tudo fica iluminado? Às vezes precisamos do flash para "preencher" de luz o primeiro plano da foto. Justamente o plano em que está o nosso objeto de interesse!

O resultado nas imagens acima fica bem evidente se observarmos um recorte no plano de fundo. Essa mesma experiência foi feita no plantão passado e reforço mais uma vez agora:


Verifiquem acima que o último plano da primeira imagem não é iluminado pelo flash. Já na segunda imagem a iluminação provém da iluminação pública local que o obturador lento permitiu ser registrada.

A vítima foi alvejada por vários disparos e vestia uma camisa nesta ocasião. Então foram produzidos orifícios transfixantes nas vestes.

Orifícios constatados nas vestes da vítima.

Nem sempre a exauriência dos vestígios é levada para o laudo. Por outras palavras, nem sempre as duzentas fotografias do levantamento fotográfico, p. ex., vão para o laudo. Várias fotos são feitas por segurança ou para correção e não necessitam ser inclusas no texto do laudo.

Assim o fiz com relação aos detalhes dos orifícios, mas aproveitei para testar algumas condições de iluminação: flash direto sobre o suporte, mesma imagem sob tratamento do editor de imagem e captura com luz rasante. Vejam abaixo:




Além de se observar a diferença das imagens quanto à iluminação escolhida, é de se atentar para o fato de que o orifício 01 é de ENTRADA de projétil e os orifícios 02 e 03 são de SAÍDA. A característica marcante é que o primeiro apresenta formato aproximado ao do projétil (circular) e os demais são irregulares.

Neste caso específio isso pôde ser constatado, mas não fiz maiores pesquisas quanto a outros tipos de tecido e não era essa a intenção quando das fotografias. O interesse era buscar qual iluminação forneceria melhor percepção visual do vestígio.

Minha conclusão é que o flash direto (procedimento cômodo que não necessita ajustes do fotógrafo) não ofereceu as melhores condições. A lanterna rasante ofereceu uma melhor noção tridimensional do tecido desfiado e ainda deu melhor claridade para a imagem logo no primeiro disparo.

Observações:

a) somente as imagens marcadas "com tratamento" realmente receberam tratamento de clareamento. As demais são originais e receberam apenas recortes.

b) a camisa foi manipulada para fazer as fotografias (e mesmo se fosse feita ainda vestida no cadáver o mesmo fez movimentos para tombar na calçada).

c) a câmera utilizada foi minha Nikon D90, objetiva 18-105mm, na resolução máxima de 12 Mpixels.

quinta-feira, 7 de março de 2013

Plantão do dia 06 de março - outra noite sem sono.

Mais um plantão sem dormir. Isso não é novidade...

Novidade foi a instalação de mais um computador na sala da minha equipe. Processador Core i3! Veio apenas com os softwares básicos para digitação de laudos e navegação na internet.

Novo computador na sala da equipe. Soma-se aos outros três que utilizamos.

Assim que retornei do jantar instalei o Mapsource da Garmin, com o último mapa atualizado, onde baixo os dados do GPS, o Photoshop CS3 para tratamento das imagens, o Chrome para navegar rapidamente na net e o Google Earth para visualizar áreas via satélite. Só faltou o programa de troca de dados do celular, pois de vez em quando ele se torna câmera "backup" em algumas ocasiões excepcionais!

Ao todo foram dois locais, um pela tarde e outro pela madrugada, distantes 94,8 e 124 km respectivamente da capital.

Primeiro atendimento no povoado Santa Efigênia (94,8 km).


Às 13h21 partimos para a delegacia de Capela com a viatura mais nova (Pajero Dakar).



Curiosamente tivermos de passar pelo município de Cajueiro e sair 16 km da estrada estadual para tomar uma estrada de barro até a zona rural. Tinha até sinalização das fazendas!


O local era no meio dos morros com plantações de cana de açúcar. O casebre de taipa abrigava o cadáver com alguns dias de óbito.

Vista geral das imediações do casebre (em primeiro plano, à direita).

O cheiro não era dos mais animadores. E já tínhamos uma boa participação das moscas sobre o cadáver. Justamente elas que me chamaram a atenção sobre um singelo objeto preso à parede de barro batido. Vejam as fotos:


Não se enganem. Sim, é um rolo de papel higiênico. Sim, são moscas sobre ele. Sim... os pontos escuros sobre o papel são as patas sujas das moscas e as "bocas" das moscas quando encostam em algo quando elas pousam em cima...

Fica aí o alerta para quem se aproxima de um local como esse. Muita proteção e cuidado!

Retiramos o colchão onde o cadáver estava sentado e tentamos achar vestígios de uso de arma de fogo (estojos ou buchas), mas fiquei fascinado com a abundância das larvas. É nítido como existem tamanhos e tipos diferentes. Prato (literalmente) cheio para a entomologia!

Colchão onde estava o cadáver putrefeito.


Tentei mostrar com uma seta preta na última foto acima uma das larvas de menor tamanho, ao lado de outras médias e uma bem maior.

O segundo atendimento se deu no Pontal do Peba, povoado do município de Piaçabuçu.

Segundo atendimento (124 km de Maceió).

Saímos de Maceió aos 19 minutos do dia 07 de março (meu aniversário! Imaginem!). Percorremos inicialmente 162 km até a delegacia de Piaçabuçu, em 2h20, e tivemos de retornar, pois o Pontal do Peba é antes da cidade. Por outras palavras, tivemos de ir até o extremo sul do estado e retornamos cerca de 15 km para chegar ao local.

Chegando no povoado do Pontal do Peba.

O interessante neste local foi utilizar um recurso da máquina fotográfica que dispara o flash embutido, mas mantém o obturador aberto utilizando a medida de luz local. Desta forma "preenchemos" o primeiro plano da foto com o flash e "aproveitamos" o restante da luz ambiente para iluminar a cena.

Vejam abaixo como ficou a primeira imagem captura apenas com o flash. A segunda imagem representa a captura com "obturador lento".

Imagem capturada com uso do flash, exclusivamente.

Uso do flash conjugado com "obturador lento".

Para facilitar a visualização do efeito, destaquei uma parte da imagem para comparar (quadrado indicado por seta branca acima).

Abaixo a primeira imagem usa apenas o flash embutido. Na segunda foi feito uso do flash com o obturador lento.


Quase nunca deixo uma foto sem algum tipo de "melhoria" via tratamento de imagem. E às vezes isso é necessário para melhor apreciação criminalística do evento. Daí tratei as duas imagens acima para ver como se comportariam.

Abaixo as duas imagens imediamente acima sob tratamento de clareamento e adequação de cor.


As cores mais "frias" mantiveram-se na imagem capturada exclusivamente com o flash embutido. Como era de se esperar. Mesmo assim, o recurso de obturador lento facilita a rápida iluminação da cena e evita a "granulação" da imagem, desde que a cena realmente possua uma segunda fonte de luz (postes de iluminação pública, p. ex.) e o fotógrafo fixe corretamente a câmera (tripé recomendado).