quinta-feira, 1 de maio de 2014

Último plantão de abril - chuva, viagem e pocilga

Mal cheguei no instituto e já havia ocorrência dos plantonistas anteriores que não foi atendida. Sigo pela rodovia AL-101 Sul e constato que nem o IML também chegou no local. A Polícia Militar já renovou sua guarnição. A Polícia Civil chega em seguida. Adiantamos os trabalhos periciais pois a chuva se intensificava.

Seguindo pela rodovia AL-101 Sul ou "Ib Gatto Falcão".

Finalizamos com poucos elementos materiais que pudessem elucidar o crime. Vítima não identificada. Moradora de rua. Fazia bicos nos bares próximos. À noite, alguém se desentendeu, bateu, deitou e matou. Usou instrumento contundente, grande e pesado. Cabeça esmagada. Cérebro exposto. Voltamos ao IC.

Segunda chamada fica para meu colega. A terceira chamada volta pra mim. Coisas de quem está atrasado no rodízio de distribuição de trabalho. Destino: Inhapi. Distância: 263 km (no papel!).

Sigo pela mesma estrada com ainda mais chuva.

Voltando ao mesmo caminho, mas com distância maior e mais chuva.

Notícia de roubo de explosivos. Pouca informação. Precisei insistir para saber detalhes. Coisa ruim todo mundo comunica, mas não verifica. Para quem vai viajar mais de 500 km, é preciso ter alguma segurança.

Uma vez confirmado, sigo e completo 272 km em 4 horas até a delegacia de Inhapi.

Pintura estragada na fachada da delegacia de Inhapi.

Acompanhados do policial que conhece a região, seguimos para o local dos exames distante 14,4 km da delegacia. Estrada de barro, enlameada, mas bem conservada.

Pela qualidade do material roubado, também qualificavam-se os investigadores. Não eu, mas exército e divisão especial da Polícia Civil estavam presentes. Conversa daqui, conversa dali e verifico que tudo que foi quebrado e rompido para roubar, já está consertado. Suspeitava, por isso insisti nos telefonemas prévios. De nada adiantou. A cena estava inidônea. E restaram poucos vestígios.

Mas, conversa daqui e dali, entendo que os especialistas poderão suprir bastante bem as informações necessárias para a boa investigação. Explano minha visita, necessária por lei e imposta pela solicitação, despeço-me e devolvo o policial na delegacia (não havia viaturas na delegacia).

Retorno no escuro, com fome, para jantar em Santana do Ipanema. Sanduíche, claro!

E não é que o dono do estabelecimento me vem com essa: "mataram um, agorinha mesmo!". Só fiz perguntar: onde? E completei: já que vai saciar sua curiosidade indo ao local, então me oriente como chegar no mesmo lugar!

Já passava das 20 horas quando chegamos num final de logradouro onde estava sendo rebocado um veículo alvejado por arma de fogo.

Repitam comigo: em todo local de crime existem vestígios úteis! Chame o perito!

Abordei o policial militar de preto, oficial, ex-aluno e espantado com um perito no sertão. Indaguei: o que acontece aqui? Ao que ele respondeu: surpreenderam a vítima dentro do carro, mas aparentemente não morreu ali dentro. Ainda fugiu. Embrenhou-se no brejo e lá ficou. Os bombeiros já passaram aqui. Puxaram o cadáver para a margem, mas só tem acesso pelo outro lado da quadra.

Ali estava, ali comecei os exames.

Disparo de arma de fogo em veículo é o mesmo que recolhimento involuntário de projéteis, pois as modernas carrocerias deformáveis e forros macios prendem facilmente os projéteis. Saquei a chave de fenda e despreguei o forro da porta. Encontrei dois bons projéteis, encamisados, viáveis para exame de microcomparação. Será que o delegado não sabia disso para solicitar, com veemência, uma perícia - de busca e coleta de projéteis - no veículo?

Eu já havia tomado chuva durante a primeira ocorrência. Tomei mais chuva na zona rural de Inhapi. E desta vez a chuva foi um pouco mais intensa. O chapéu já escorria água por dentro.

Obtido os projéteis, parti para o cadáver. Sua localização: dentro de uma pocilga...

Chuva, lama, fezes e animais, tudo no escuro!

Com muito cuidado evitei escorregões na lama, mas não havia como se proteger da chuva. Simplesmente esqueci que havia levado minha capa de chuva. Abusei do chapéu e esperei que o colete encharcasse antes que as minhas demais peças de roupa.

Não consegui mais que tomar uma identificação visual da vítima. A manipulação era inviável no local onde estava. Pus a pulseira de identificação e espero que o IML possa concluir satisfatoriamente o exame dos ferimentos.

Identificando numericamente o cadáver.

Quando finalizamos os exames, os policiais civis chegaram. Entreguei a via de identificação do cadáver em mãos.

Dali abastecemos nossa viatura para o retorno à Maceió. Foram 377,6 km consumindo 40,39 litros de diesel S-10. Autonomia na primeira parte da viagem de 9,35 km/litro.

Abastecendo em Santana do Ipanema às 21h53.

Chegamos em Maceió às 00h50 do dia primeiro de maio. Percorremos 575,7 quilômetros e pude verificar que o odômetro da viatura está majorado em 2,38%, mas dentro de um padrão de normalidade.

Descarreguei 159 fotografias (válidas para a produção dos laudos). Baixei os dados do GPS. Preenchi os formulários on-line do sistema de informações da secretaria de segurança e embalei os vestígios coletados. Ainda falta editar as imagens, inserir nos modelos de laudos e adequar todo o texto.

Finalizo esta publicação no final do meu plantão, mesmo sem ter dormido. Descanso só em casa!

Até o próximo plantão!

3 comentários:

  1. Olá Andre Braga, parabéns pelo belo trabalho, tanto o de Perito Criminal quanto o de blogueiro.

    O segundo atendimento, o da pocilga, foi feito antes da solicitação da autoridade policial, certo? Isso exige algum procedimento especial por parte do perito ou é só esperar o chamado para lançar as formações que já foram previamente levantadas?

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    1. Olá! Obrigado pela apreciação. Neste tipo de caso - conhecimento da ocorrência antes da solicitação formal - passamos a coletar os dados pertinentes à investigação material o quanto antes para não se perderem (fragilidade dos vestígios e/ou manutenção da ordem em geral) e em seguida fazemos o encaminhamento formal, normalmente esperando a solicitação da autoridade de investigação policial judiciária. Nada impede que também provoquemos a solicitação, informando a ocorrência e encaminhando os dados.

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  2. Parabéns pelo blog, muito bem escrito e detalhado. Estou devorando todos os posts pois sou apaixonado pela carreira. Espero que continue postando!

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