quarta-feira, 19 de junho de 2013

Plantão do dia 17 de junho - cada caso é um caso

O plantão do dia 13 antecedeu uma viagem particular marcada para os dias 14, 15 e 16. Ou seja, eu sairia do plantão direto para o aeroporto. (Sim, eu contava poder dormir no avião!).

O plantão foi pouco extenuante para mim. Atendi apenas um caso no município vizinho a 36,6 km de Maceió.

Rodovia escura e sinalização desgastada.

Pilar é um município que possui uma topografia baixa, às margens da lagoa Mundaú e outra alta, às margens da rodovia BR-316. Esta parte alta é um pouco mais violenta. Inclusive minha colega de equipe (Suely) já havia feito um levantamento de homicídio por arma de fogo na mesma área há aproximadamente duas horas atrás. Voltei para o local com o mesmo motorista!

Cena do crime (seta indica localização do cadáver).

O local era um terreno baldio, dentro da zona urbana com vegetação rasteira. A presença da Polícia Militar mantinha a população curiosa no limite do alinhamento do logradouro (meio-fio), mas havia sinais de que a aproximação se deu até o cadáver. Boa parte do matagal estava pisoteada. É o problema comum da chegada tardia do primeiro agente público no local do crime.

A vítima era uma mulher - fato relativamente raro, pois a esmagadora maioria é homem - que foi alvejada por disparos de arma de fogo quando, possivelmente, corria pelo logradouro (provável fuga). Típico caso de abordagem hostil na rua ou deflagração de contenda com subsequente ação violenta mediante uso de arma de fogo. A vítima ferida, percorre um espaço e tomba sem vida.

Esquema de lesões (mapa de localização com direcionamento dos projéteis).

O esquema de lesões é considerado nos meus laudos como um "croqui", pois ilustro e localizo em um desenho a dimensão e a sede dos ferimentos e, quando possível, indico a direção e sentido da ação vulnerante.

No presente caso foram apenas três ferimentos com nítidas características de ser um de saída ("a") e dois de entrada ("b" e "c") de projétil de arma de fogo.


Algumas considerações interessantes:

a) se temos duas entradas e uma saída, possivelmente temos uma transfixação (entrada + saída) e um projétil alojado. Era o caso! Inclusive o par "entrada + saída" possuía correspondência visual plausível (ver croqui). O que deve ser confirmado no exame cadavérico posterior;

b) percebam que o ferimento de saída ("a") possui orla irregular, bordos evertidos (para fora) e dimensão ligeiramente maior que os seus correspondentes ferimentos de entrada (admitindo o mesmo calibre) que por sua vez possuem orla regular (circular) e zonas equimóticas bem definidas, bem como dimensão relativamente menor;

c) os ferimentos "b" e "c" possuem uma distinção pelo ângulo de incidência. O primeiro foi oblíquo em relação ao plano da pele. O segundo foi quase ortogonal. Essa peculiaridade ajuda na formulação de hipóteses de dinâmica da ocorrência.

É quase imperceptível, mas não consegui foco perfeito na foto do ferimento "c", embora tenha tirado três fotografias no momento do levantamento! Repito fotos justamente para sobrepujar a dificuldade que às vezes o sistema de foco automático enfrenta quando as fotos são muito próximas do assunto.

A curiosidade deste levantamento ("cada caso é um caso") foi um terceiro projétil que simplesmente ficou aderido às vestes da vítima. Não teve força suficiente para rasgar a blusa nem penetrar no corpo.

Projétil pousado sobre as vestes.

Detalhe do projétil sobre a blusa da vítima.

Constatamos o projétil, conforme fotografias acima, e antes de coletá-lo removemos a vítima para examiná-la noutro lugar mais limpo, longe da grama alta. E, no entanto, o projétil não se deslocou! Estava aderido ao tecido, sem danificá-lo, mas deixou sua marca produzida por pressão contra a blusa (fotos abaixo).


O projétil não possuía deformações acidentais (decorrente de impactos secundários em outras superfícies rígidas), mas apenas deformações normais (produzidas pela passagem forçada pelo cano da arma).

Isso significa que o projétil partiu diretamente do cano da arma para a blusa da vítima, sem ricochetear em qualquer lugar, e não produziu maiores efeitos que senão a simples adesão ao tecido!

Um comentário:

  1. Caro André:
    Tenho a impressão de que este caso relativo ao último projétil deve entrar para a antologia da perícia médico-legal. Em meus 30 anos de advocacia criminal, lidando com cerca de 300 casos de homicídio doloso, jamais vi algo parecido com isso.
    Divulgue, pois, como eu disse, fará parte dos compêndios futuros.
    Abs,
    Paulo Henrique

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